terça-feira, 27 de maio de 2014

Caminho das Missões - 3º dia - de São Nicolau a São Luiz Gonzaga

O caminho percorrido no terceiro dia foi mais curto e desprovido de maiores novidades ou acontecimentos que mereçam registro, como vamos mostrar a seguir. Foram "apenas" 50 quilômetros e enveredamos por uma região onde predominam as plantações, por isso há pouca vegetação e grandes áreas de terra arada, o que não representa atrativo visual, especialmente porque estamos na entressafra e o que se vê são muitas terras nuas.
Assim, para preencher qualitativamente o espaço, vamos contar resumidamente a história dos Sete Povos das Missões.
O dia amanheceu claro, ao contrário do dia anterior:
Encontramos, hoje, uma das poucas placas indicativas do caminho:
Mesmo havendo menos matas nesta parte do caminho, os pássaros continuam nos fazendo companhia: desta vez eram pássaros pretos de peito amarelo:
Ao menos certos trechos do caminho não tinham pedras:
E como também não há serras, tudo se constituía em subir e descer as pequenas variações de altitude, pedalando quase o tempo todo: 
Chegamos à casa de D. Irene Roth, apoiadora do caminho, que nos recebeu com alegria e quitutes muito gostosos. Enquanto estávamos lá, chegaram mais pessoas da família. Então registramos as quatro gerações presentes: D. Irene, sua mãe, sua filha e sua neta:

O azar foi que eu tirei as luvas na casa da D. Irene e deixei-as sobre o alforje. Quando saímos, esqueci de calçá-las e saí pedalando. Logicamente, eu as perdi:
Nesta região do Estado, em que as cidades são relativamente distantes umas das outras, as comunidades possuem seus próprios cemitérios, que ficam assim, às vezes fechados apenas por cercas de arames:
E o Rio Grande é uma imensa planície...
Uma característica dos habitantes desta região é que todos, praticamente sem exceção, possuem pomares em suas casas rurais e em todas a gente sempre via pés carregados daquela mexerica enredeira, como a conhecemos aqui ou bergamota como a conhecem lá e eu estava já com muita vontade de saborear algumas, porém não tinha coragem de pedir. Obviamente, nem de pegá-las sem autorização. 
Chegamos, por volta de meio dia, à casa de D. Antônia e seu marido Ronil. E fomos tão bem recebidos que acabei pedindo-as a ela, que prontamente encheu uma pequena bacia com as frutas colhidas diretamente no pé e nos ofereceu. Matei minha vontade!
Perguntamos se havia condições de preparar almoço para nós e ela disse que poderia fazer alguma coisa.
Um pouco mais tarde, almoçamos com ela e havia, na mesa, um prato que continha uma coisa amarelada, ligeiramente dura, picadinha, que não conseguíamos identificar o que era, mesmo comendo e achando bom.
Quando perguntada o que era, D. Antônia só ria.
- Fígado de frango? ... Rim de boi? 
E D. Antônia só dava boas risadas. 
- Podem comer, não é afrodisíaco...
O Sr. Ronil dizia que era uma coisa ou que era outra, sem firmeza.
Estava desconfiado, ainda mais quando ela disse:
- Depois do almoço eu conto! 
E ria a mais não poder.
Eu olhava para aquela coisa no meu prato, já tendo os pensamentos mais obscuros sobre a tal comida:
- Moela?
E tome risadas...
Não aguentei e perguntei: 
-É saco de boi?
E era, admitiram, caindo na gargalhada e confirmando a minha desconfiança. Agora já era. Já tinha comido e tinha que comer o restante que estava no meu prato, para não dar vexame...
Depois explicaram: quando os bois são castrados, os órgãos de reprodução são retirados e cozidos e é uma comida muito apreciada pelos gaúchos.
Que figuras, D. Antônia e o sr. Ronil:
Despedimo-nos e prosseguimos. Esta ponte, com seta indicativa do caminho, é sobre o rio Piraju:
 Logo chegamos a São Luiz Gonzaga, onde pernoitaríamos em um hotel:
Logo na entrada da cidade há uma gruta:
E como falei no início, para compensar a rara presença de belas fotos neste dia, eis um resumo da história missioneira:
Os jesuítas, de origem espanhola, fundaram na América do Sul um grande número de cidades, onde muitos índios guaranis, atraídos pelos padres, passaram a viver e trabalhar. No Rio Grande do Sul, como já falei, haviam sete delas, que pertenciam à Espanha, segundo as fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Tordesilhas. A parte que pertencia a Portugal, começava, no sul, por Cananeia. 
Porém, Portugal tinha pretensões de expansão e o rei mandou construir uma colônia na foz do rio da Prata, do lado oposto a Buenos Aires, onde atualmente é o Uruguai.
Em 1679, o governador do Rio de Janeiro, atendendo à ordem real portuguesa, fundou a Colônia de Sacramento no estuário do Prata.
A colônia, nesse local, propiciava o contrabando pelos comerciantes portugueses e ingleses, de gêneros produzidos no Brasil, tais como açúcar, tabaco e algodão, para o lado argentino, em detrimento da ordem espanhola de proibir o comércio, por estar em litígio com Portugal. Além de que os ingleses, aliados dos portugueses, constituíam uma ameaça à passagem da prata, trazida pelos espanhóis do Peru. 
Então, para a Espanha, era uma questão de vida ou morte ter o domínio total do estuário.
Assim, com esta intenção, foi firmado o Tratado de Madri, em 1750, através do qual Portugal cedia a Colônia de Sacramento à Espanha e em troca recebia o Rio Grande do Sul, parte de Santa Catarina e do Paraná, além de todas as terras desabitadas ao norte do rio Paraguai, onde é hoje o Mato Grosso e a Amazônia, passando o rio Uruguai a constituir-se na fronteira natural entre as possessões dos dois países na América do Sul: a oeste, Espanha, a Leste, Portugal. 
E por estarem nestas áreas do Rio Grande do Sul, os Sete Povos das Missões passaram, pelo tratado, a ser de Portugal.
Só que Portugal exigiu a saída dos índios e dos jesuítas, para oeste do rio Uruguai, onde já existiam muitas outras reduções, ou para a colônia de Sacramento. Mas, os índios não quiseram se mudar, no que foram apoiados pelos jesuítas, que sofriam com o assédio dos bandeirantes, à caça de escravos.
Ninguém pensou na mudança de 30 mil índios e 700 mil cabeças de gado. Ou os consultou sobre isso.
Então, Portugal e Espanha se uniram para fazer valer o tratado, mandaram exércitos que se juntaram e atacaram os índios, tudo terminando em 1754, com a batalha final na região de São Miguel Arcanjo, culminando com a morte de mais de 1.500 índios. O chefe deles, Sepé Tiaraju, havia sido morto 3 dias antes. 
E os jesuítas que não foram também mortos nesta que ficou conhecida como Guerra Guaranítica, acabaram expulsos do Brasil e proibidos de entrar na colônia portuguesa.
Hoje, tristemente, vemos as ruínas do que restou destas magníficas cidades e imaginamos o que poderiam ser atualmente, não fosse a ganância e os interesses escusos das potências da época...



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