quinta-feira, 21 de abril de 2011

8º Dia (Caminho da Fé) - de Estiva a Paraisópolis

A saída de Estiva (para quem estiver na Pousada do Poca) é à direita, descendo pela avenida. Algumas quadras abaixo viramos à esquerda, passamos ao lado da Rodoviária e seguimos em frente, contornando a curva à direita. Prosseguimos pelo asfalto até chegar à Rodovia Fernão Dias.

Foto 01
Atravessamos pela passarela (foto 01) e continuamos do outro lado, por uma estradinha de terra, que é onde a gente se sente verdadeiramente bem. Quando estamos ali, não há problemas, não há contas a pagar, não há dores... É só alegria, prazer, curtição. E o suor, o cansaço físico, a poeira ou o barro, o sol quente ou o frio do inverno são apenas componentes, pequeno preço a pagar por ter ao seu dispor a plenitude da natureza, a cordialidade e receptividade das pessoas e o vento no rosto.
Este é o trecho do Caminho onde encontramos muitas plantações de morango e não demora muito para avistarmos as primeiras. Chegamos rapidamente a uma ponte de madeira (foto 02), típica da região, para atingirmos em seguida o bairro Boa Vista.
Foto 02
A primeira vez que passamos alí, viemos com uma missão: localizar uma parenta da família que mora aqui. A Zezé, da pousada do Poca, havia nos orientado como chegar à casa dela e não foi difícil encontrá-la. O mais curioso é que as duas senhoras que moram na casa se chamam Margarida. Registramos o momento (foto 03) para nos lembrarmos sempre.
Algum tempo depois começa a subida das montanhas. Embora as estradas sejam boas e lisas, há trechos tão íngremes que foi necessário calçá-los, pois até os automóveis tinham dificuldade na subida em época de chuvas. O calçamento foi feito com placas sextavadas de concreto (foto 04), para torná-los firmes, possibilitando o trânsito de veículos sem risco de atolamentos ou deslizamentos indesejados.
Foto 03
Atravessando pastagens em meio às montanhas da Serra da Mantiqueira, com paisagens deslumbrantes, que nos fazem ter vontade de sempre voltar para cá, após 20 km chegamos a Consolação. Normalmente, mesmo chegando cedo, sempre paramos para almoçar na Pousada e Restaurante da Dona Elza. Ocorre que, como sabemos que o trecho é relativamente curto, sempre acabamos saindo um pouco mais tarde de Estiva... Nunca dormimos nesta cidade, não conhecemos os aposentos tanto da pousada da Dona Elza, quanto da Capivari. O povo da cidade - quiçá da região – é muito festeiro e, numa das passagens, fomos convidados por uma senhora, transeunte, para ficar e participar da festa que ia haver à noite. Infelizmente, temos sempre o tempo contado e não pudemos ficar. Mas vai chegar a hora em que não teremos pressa e vamos curtir todas estas festas que sempre vemos pelo Caminho...
Foto 04
Hoje, a saída de Consolação em direção a Paraisópolis, está asfaltada e o Caminho, antes de terra, agora segue pela estrada por alguns quilômetros. A saída do asfalto é à direita e devemos ficar atentos para não deixar passar a placa indicativa, que desvia novamente para a terra. Na verdade, se seguir pelo asfalto vai chegar também em Paraisópolis, mas este não é o objetivo, correto?  
Da última vez que percorremos este trecho, havia uma ponte de madeira, sobre o Córrego dos Azevedos que, sob a ação das águas de uma enchente, perdeu parte do apoio lateral, inclinando-se para um lado e impossibilitando o tráfego de veículos (fotos 05 e 06). Fomos com cuidado, caminhando mais do lado em que os suportes ainda estão de pé e atravessamos com tranquilidade. Vimos que a pé ou de bicicleta, ainda era possível passar com segurança. 
Foto 05


Foto 06

O percurso de hoje é um dos trechos mais duros do Caminho, só perde para o seguinte, quando vamos subir a incrível serra do “Quebra Pernas”, depois de Luminosa. O pessoal até se diverte, pois em pleno aclive dos mais acentuados, em que tivemos que empurrar a magrela (foto 07) ainda teve gente com muito bom humor para brincar (foto 08).
Foto 07
22 quilômetros depois, chegamos a Paraisópolis (foto 09). Na minha opinião, o que a cidade tem de melhor é o pastel do Mercadão.  Fica ao lado do Hotel Central, pertinho da praça principal, onde está a igreja matriz. Adentrando o Mercadão pela rua lateral da igreja, logo na entrada, à direita, tome um delicioso caldo de cana, cremoooso, como eu nunca havia tomado em lugar nenhum. Siga, ainda à direita e coma um pastel de carne e queijo excelente, gigante, capaz de servir de almoço... E depois, de sobremesa, mande fazer um de banana com açúcar, queijo e canela, que este é para saborear e não esquecer jamais...
Foto 08
A Pousada da Praça, ao lado da igreja matriz, merece destaque. É um local muito aconchegante e Jandira, a gerente, acolhe o peregrino com extrema atenção e cordialidade. Uma casa antiga, reformada, mas que mantém o estilo rústico e muitos dos portais e umbrais que já existiam e um piso renovado, com características próprias, muito bonito. O café da manhã categoria A, é completo, com frutas, pães, bolos, confeitos, cereais, iogurte, sucos, café e leite.

Foto 09
 Nesta viagem, porém, ficamos na Pousada Casa da Fazenda (foto 10), seis quilômetros à frente de Paraisópolis. Também é uma casa antiga, sede de fazenda, mas que conserva em sua totalidade, com muito esmero e cuidado, os móveis e a decoração existentes. Dirigida por um cavalheiro paulistano (foto 11), que faz questão de receber com classe e elegância, tem no silêncio e na tranqüilidade seus pontos fortes de atração, propiciando o merecido descanso aos peregrinos. A propósito, é bom lembrar uma máxima, que vale tanto aqui como em qualquer outro lugar: procure saber sempre antecipadamente preços e condições de serviços e alimentação, para evitar surpresas. 


Foto 10
 

Foto 11
 

P.S.: Contagem regressiva: estamos a rigorosos 30 dias da viagem a Compostela. Vamos fazer neste feriado prolongado nosso último treinamento de trilhas. Depois as bicicletas vão passar por um cuidadoso check-up, quando serão preparadas, engraxadas, enfim, tudo o necessário para ficarem tinindo prá viagem. Voltarei brevemente ao assunto...

domingo, 10 de abril de 2011

7º Dia (Caminho da Fé): de Borda da Mata a Estiva

Uma surpresa bem agradável nos esperava de manhã, logo na saída de Borda da Mata. Deixando o hotel, cruzamos a praça principal, em frente à igreja, onde estavam armadas muitas barracas da festa que estava acontecendo na cidade. Aliás, não houve uma única vez em que passássemos por aqui, que não estivesse acontecendo festa. Ô, cidade festeira!

Foto 01 - Periquitos em Borda da Mata
 Seguimos, ao lado da igreja, depois atravessamos outra praça, agora atrás da igreja e, ao chegar no alto, deparamos com um bando de periquitos que se alimentava das frutinhas das árvores alinhadas no meio fio da rua.
Quando nos aproximamos, o bando todo voou ruidosamente, mas não se distanciaram, viraram rapidamente no ar, descrevendo um gracioso arco, retornando às árvores, sem se importar conosco.

Foto 02

Foi uma festa para os olhos, vê-los se movimentando pelos galhos, colhendo as pequenas frutas (foto 01), ou em duplas (foto 02), às vezes trio (foto 03).

Foto 03 - O trio



Conseguem vê-los no meio das folhas?

Fiquei até triste porque tinha que seguir em frente e não poderia ficar por ali vendo os bichinhos. Mas, sem alternativa, continuamos.
O primeiro trecho tem 18 quilômetros e nos leva a Tocos do Moji.


Foto 04
 

Feito sempre por estradinhas de terra (foto 04), na maior parte do tempo bem lisas e agradáveis (foto 05),

Foto 05
 




















 outras vezes cheias de pedras e complicadas, mas sempre com duras subidas (foto 06)
Foto 06


















e, felizmente, as respectivas descidas depois (foto 07).


Foto 07

 















Numa dessas subidas, há uma casa (foto 08)

Foto 08

 

















Foto 09

 que oferece água potável ao peregrino (foto 09).
















Caso a proprietária esteja lá, uma senhora extremamente simpática e agradável (foto 10), você “corre o risco” de “sofrer” sua acolhida e aí, “ser obrigado” a tomar um suco, talvez um café com biscoitos e quem sabe até experimentar um dos seus doces de leite, figo ou abóbora. Ela não fica lá sempre, mas já nos encontramos por duas vezes. Não posso deixar de repetir: é mais um anjo do Caminho... 
Foto 10

















Naquele dia a natureza nos reservava mais uma surpresa agradabilíssima. Num trecho plano, avistamos um bando de canários, que bisbilhotava o chão da estrada alegremente (foto 11).

Foto 11 - Os canários alegrando o Caminho

Na minha região a gente não vê mais isso. As plantações de cana e os agrotóxicos acabaram com eles. Mas, ao menos desta vez, pudemos curtir a alegria saltitante do grupo e fotografá-los para a posteridade. Tomara que naquela região, pelo menos, eles possam sobreviver e procriar, para nos proporcionar sempre espetáculos tão agradáveis (foto 12).
Foto 12

Em nossa primeira viagem no CF, conhecemos no hotel de Borda da Mata, um senhor, vendedor, que acabou se tornando nosso amigo e com quem ainda falamos até hoje. Ele mora em Guaxupé-MG, e já fomos até visitá-lo em sua casa, onde conhecemos sua esposa e filha. Quando nos viu de bicicleta, imaginou logo que estávamos indo para Aparecida. Rapidamente fizemos amizade e ele nos confidenciou que havia perdido um filho, jovem, que gostava de fazer esse Caminho e que o havia percorrido por diversas vezes. Emocionado, não se cansava de nos elogiar, pela disposição e vontade e prometeu que, no dia seguinte, nos alcançaria em seu carro, quando estivéssemos indo na direção de Tocos do Moji, pois pelos horários planejados de cada um, iríamos sair mais cedo que ele. Por um desses caprichos do destino, no entanto, não nos encontramos no caminho. Mas ao chegarmos, quando nos dirigimos ao restaurante para almoçar, demos de cara com ele. Levantou-se rapidamente de sua mesa, interrompendo seu almoço e vindo ao nosso encontro, dizendo que estava muito preocupado conosco, porque não conseguira nos ver durante seu percurso. Mas agora, feliz, nos convidou para sua mesa o que prontamente acedemos. Almoçamos, conversando muito e prometendo nos visitar mutuamente. À saída, registramos o encontro (foto 13)
Foto 13

e depois fizemos juntos uma oração na igreja de Tocos, posando para mais uma foto antes de partir (foto 14).
Foto 14




Temos um carinho muito grande pelo Sr. Roberto e, com certeza, vamos nos encontrar ainda muitas vezes...
A saída de Tocos de Moji é uma boa subida, para variar. E vamos que vamos, porque a Mantiqueira é assim. E não adianta reclamar, o negócio é pedalar, fazer bastante força (depois do almoço dá uma preguiça!) e ir em frente. Logo a gente começa a avistar as plantações de morango (foto 15), 
Foto 15 - Plantação de morangos













que é o principal produto da região. Podemos afirmar que muitos dos morangos que degustamos no Estado de São Paulo vêm daqueles sítios. Sempre que passamos por lá em meados do ano, podemos acompanhar os produtores cuidando de suas plantações, colhendo os tenros frutos, às vezes oferecendo-os em barracas à beira do caminho e outras transportando-os já embalados para seus depósitos, aguardando o momento da viagem para os grandes centros consumidores.
Este trecho, de 21 quilômetros, não muda as características comuns da região: subidas, subidas e mais subidas. Algumas tão íngremes, que houve necessidade de calçar partes da estrada com placas sextavadas de concreto, para possibilitar o trânsito de automóveis em épocas chuvosas, em que tudo fica muito escorregadio. Mas há passagens muito lindas como a da foto 16,
Foto 16 - A paisagem fala por si só















ou bem planas e lisas como a da foto 17.

Foto 17

Em Estiva, impossível não se hospedar na Pousada do Poca e jantar no Restaurante da Mãe Geralda. Ambos merecem destaque e vou falar dos dois, um de cada vez.
Na Pousada do Poca, que fica sobre a padaria do mesmo nome, em frente à praça central da cidade e à igreja matriz, o peregrino é muito bem atendido por Dona Zezé e você pode lavar suas roupas sujas e colocar para secar nos amplos varais ali existentes. Costuma ventar bastante e no dia seguinte toda sua roupa estará sequinha.
Certa vez passamos por lá no Carnaval e a Pousada estava lotada. Havíamos feito reserva, mas foi chegando gente, chegando gente e, de repente, estava cheia! Pois o Poquinha, o filho, disse que não nos preocupássemos, que ele iria resolver a situação. E nos levou para dormir em sua própria casa. Uma belíssima casa, por sinal. Nesta ocasião estávamos em sete pessoas e todos puderam dormir perfeitamente bem.
Em outra ocasião, quando estávamos percorrendo apenas um trecho do Caminho, era domingo e uma das bicicletas teve a corrente quebrada. Embora tentássemos, não conseguimos consertar. Felizmente, não estávamos muito longe da cidade e conseguimos chegar, porém com um atraso considerável, sem falar que tínhamos que ir até Paraisópolis, porque o ônibus que nos levaria de volta para casa sai de lá e na segunda-feira era dia de trabalho! Mais uma vez, o Poca nos deu uma amostra de sua cortesia. Contatou um proprietário de van, conhecido seu, o qual se dispôs, em pleno domingo, a nos levar ao nosso destino. E tudo acabou dando certo, graças à atenção que nos dispensam nossos anfitriões pelo Caminho...
O Restaurante da Mãe Geralda é um caso à parte. Quando você entra e vê a decoração e o mobiliário muito simples, não faz idéia da qualidade e do sabor da comida que é servida naquele local. É de lamber os beiços! Fica na mesma rua da pousada, descendo à direita.
A primeira vez que comemos ali, ainda funcionava em outro local, mais afastado do centrinho da cidade. Era relativamente amplo e fomos atendidos rapidamente. Éramos os primeiros a chegar. O proprietário ligou um sonzinho suave de MPB, assim, tipo Caetano Veloso, Chico Buarque e outras preciosidades, que fomos curtindo tomando uma deliciosa taça de vinho, enquanto aguardávamos o jantar. Pode até ser que seja a fome e o desgaste de energia que façam parecer boas as comidas do Caminho. Mas eu acho que não: são deliciosas mesmo e feitas com o dom natural das cozinheiras de Minas. Sa-bo-ro-sas!