quinta-feira, 22 de maio de 2014

Caminho das Missões - 1º dia - de São Borja à Fazenda Ibrisch

Foram 1.500 km para chegar a São Borja, no Rio Grande do Sul. Dois dias de viagem, carregando as bicicletas para o grande desafio: 325 km pedalando entre São Borja e Santo Ângelo, em cinco dias, percorrendo caminhos utilizados pelos antigos missioneiros e conhecendo os Sete Povos das Missões, nesta ordem: São Borja, São Nicolau, São Luiz Gonzaga, São Lourenço Mártir, São Miguel Arcanjo, São João Batista e Santo Ângelo.
Em São Borja, não há sítio arqueológico e as opções, havendo tempo, são de conhecer museus ou as referências à fundação da cidade e aos presidentes brasileiros que nasceram aqui, tais como Getúlio Vargas e João Goulart, motivo de muito orgulho para o povo gaúcho.
A gente chega na véspera do 1º dia de pedal e se hospeda no Sítio Preserva, da Tatiana e do Javier, um argentino muito simpático e agradável, que está sempre sorrindo e disposto. Foto da pousada:
Dito isto, passemos ao caminho propriamente dito.
São 62 km no primeiro dia e o começo é bem na placa de entrada do Sítio Preserva:
A saída é por uma estradinha à direita, plana e cheia de árvores ao redor. Mas, já dava para observar aquilo que ia ser nosso grande problema durante todo o trajeto: as pedras.
Este trecho tem apenas 700 metros e é bem bonito, pela estradinha existente ao lado da rodovia que conduz à ponte Brasil/Argentina, sobre o rio Uruguai:
 Logo, porém, chegamos a uma estrada maior, que leva os transeuntes a muitos lugares...
Até então tudo era só alegria. Aí, veio a primeira surpresa: uma poça d'água enorme, sem condições de contornar. Estendi os olhos para a frente, tentando descobrir se a estrada estaria toda assim. Mas, do que se podia ver, parecia tudo normal. O jeito foi atravessar a água suja, o que acabou sendo feito sem maiores problemas:
Depois disso, passamos pela ponte do Arroio Estivinha e seguimos em frente. A surpresa maior estava por vir, logo adiante, na passagem pela segunda ponte, a do Arroio Estiva:
Pelo menos um quilômetro de água! E agora? O que fazer? Voltar? Não havia jeito de contornar. Estávamos assim, parados à beira da água, quando chegou um caminhão. Pensei: é a salvação! Vamos pedir para que nos leve até o outro lado. Porém, o motorista disse que não ia atravessar, porque a altura da água poderia atingir peças vitais do veículo e ele não teria jeito de continuar. Disse que ia esperar a água baixar, pois só teria que fazer entregas à tarde. E nos disse que poderíamos atravessar pela água, que não haveria perigo. Perguntei: mas e a profundidade? Não se preocupem, disse ele, poderá chegar no máximo até à virilha. Olhei para a Eros, ela olhou para mim e... Vamos? Vamos! E lá fomos nós. 
Sentia-me meio irresponsável por fazer esta travessia assim, sem conhecer nada do local, baseado apenas na palavra do motorista. Em determinado momento, no trecho mais fundo, as bicicletas chegaram a flutuar na água... Vejam na calça da Eros a marca de até onde a água chegou. Fomos indo devagar e, embora tenhamos perdido muito tempo, acabou dando tudo certo e chegamos do outro lado. Depois soubemos que o que havia provocado aquilo foi a cheia do rio Uruguai, o qual forçava os seus afluentes, que acabavam também enchendo e alagando tudo...
Depois, a estrada que enfrentamos era essa, em que a gente tinha que ficar procurando a melhor trilha, para evitar tanto quanto possível as pedras: 
Seguindo em frente, passamos, na Comunidade de Santa Rita, pela primeira placa indicativa do caminho:
Mais adiante, mais uma ponte. Desta vez, embora o rio Camaquâ também estivesse bem cheio, a água ainda passava por baixo... 
E finalmente chegamos à casa de Dona Gelci, na Comunidade de Sarandi,   local onde o escritório do Caminho havia nos reservado o almoço. Aliás, exceto por este primeiro dia, que o almoço foi marcado por eles, tivemos dificuldade em almoçar em todos os outros dias do percurso. Os telefones constantes do roteiro às vezes não eram atendidos, outras vezes as pessoas nos diziam que não estavam em casa, bares que não iriam abrir, etc. Pelas mais diversas razões, acabávamos ficando sem almoço ou passávamos pela situação de comer o que fosse possível... A comida de Dona Gelci estava ótima e nós só podemos lhe agradecer pela acolhida e pela gentileza do trato.
Nas duas próximas fotos, nada de especial, apenas pontos para registrar o caminho:

Curiosamente, nesta região, oeste do estado, é criado um tipo de gado que gosta muito de ficar dentro da água. Praticamente todas as propriedades possuem pequenas lagoas ou represas, onde as reses se refrescam e bebem. Quando perguntei qual era a raça do gado, o interlocutor fez uma confusão e acabou não dizendo. Parece charolês, espero não estar dizendo besteira...
Trecho bonito do caminho:
Nesta região usam muito este tipo de porteira de arame e madeira. Eu não conhecia e precisei descobrir como é que abria. Ela é mantida esticada por uma alavanca (vejam à direita, entre os dois mourões), que é apoiada sobre um pequeno buraco no primeiro mourão e presa em uma argola de arame amarrada na cerca, para que, após esticada, não afrouxe, deixando cair a porteira.

Aproximando-nos do rio Uruguai, chegamos a uma propriedade onde não se via viva alma. Havia uma estradinha formada apenas por duas trilhas paralelas no capim, que conduzia a uma outra casa, mais adiante e outra, que terminava no local onde estávamos, numa cerca. Como as medidas do roteiro fornecido pelos organizadores são sempre parciais, ou seja, de um ponto até o próximo, seria necessário ir assinalando cada um deles, para evitar confusão. Como às vezes não fazíamos isso, acabamos não sabendo se estávamos no lugar certo ou não. Chamamos algumas vezes, até que apareceu alguém vindo da casa da frente, que nos abriu a porteira e disse que estávamos no caminho certo. Era por ali mesmo, embora nem houvesse caminho para seguir. Descemos em meio ao capim na direção que ele nos apontou e localizamos novamente a trilha:
Chegamos finalmente à casa do Jair, que iria nos levar de barco, pelo rio Uruguai, nos próximos 12 quilômetros. O Jair é uma figura: super atencioso, fez questão de fazer-nos sala e conversar, enquanto sorvia seu inseparável chimarrão, antes de prosseguirmos. Sua casa, à beira do rio, tem um pomar com diversas plantas frutíferas. Os pilares sobre os quais é construída, não evitam, segundo nos disse, que ele tenha que sair daqui às vezes por causa das enchentes:
Chegou então a hora de seguir. O barco, na verdade, era apenas uma canoa com motor de popa, de pouca potência. Descemos a rampa levando as bicicletas. As marcas da última enchente eram evidentes no barro agora seco:
Pose antes de embarcar. Ao pisar à beira da água, levei um escorregão daqueles e se não fosse pelo bambu que serve de corrimão estar bem amarrado aos suportes, teria afundado naquela água suja:
Já sentado no barco, observando os estragos do tombo: a mochila suja de barro e a perna ensopada até o joelho...
Mas, o rio não era só aquilo que se via ao sair da casa do Jair. Estávamos num braço do rio que escondia toda a magnitude do grande Uruguai:
Confesso que estava com um pouco de medo, naquela frágil canoa em meio à imensidão de água. Num determinado momento, ouvimos um barulho embaixo do barco e houve uma engasgada do motor. Embora tentasse nos tranquilizar, dizendo que havia pego um pedaço de madeira, achei que, por ele estar navegando muito perto da margem, havia pego era galhos das árvores da margem que ainda estavam submersos pela cheia. 
À nossa esquerda, estava a Argentina, à direita, o Brasil. 
O rio ainda estava muito cheio, porém já havia vazado um pouco e as marcas da enchente estavam bem nítidas na vegetação à margem:
Mas, chegamos ao destino. Aí o Jair sentenciou: Agora não tem jeito, vocês vão ter que enfiar o pé no barro. Olhei a margem, onde deveríamos sair e entendi: Havia uns 10 metros de rampa completamente cheia de barro. Descalço, ele carregou a primeira bicicleta para fora, até o alto, além do barro e voltou para ajudar a Eros a subir, pois estava muito escorregadio. Saí da canoa com cuidado e literalmente enfiei os pés na lama. Mudava os passos lentamente, com 20 cm de barro pelas canelas, mas consegui chegar ao alto sem cair. Então, após subir com a segunda bicicleta, o Jair ajudou-nos a procurar água para limpar os pés. Havia umas construções no local, usado pelo pessoal da região para acessar o rio, mas, nada de água. Acabamos entrando em uns pocinhos para tentar tirar o barro, mas nossos pés ficaram assim:
 Retomamos o pedal por uma estradinha em meio à mata:
Mas, a chuva de dias antes havia provocado estragos ali também: um grande galho de uma árvore havia caído sobre o caminho. O jeito foi desviar e seguir em frente:
O sol já estava bem baixo (veja as sombras na estrada), quando nos aproximamos de nosso destino:
A fazenda Ibrisch, onde fomos muito bem recebidos pela Fernanda e pelo Guinter. Aí, com uma mangueira, pudemos tirar o barro dos tênis, das roupas, das pernas e das bicicletas. 
 E ainda curtir o por do sol...
Ali, depois do banho, jantamos comemorando o aniversário do Guinter, que preparou um delicioso churrasco. E fomos dormir cedo, pois o dia fora emocionante e cheio de aventuras, mas muito cansativo também. O dia seguinte nos espera...

2 comentários:

  1. Carambaaaa, que medo!!!! kkkkkkk
    Vocês são demais, acho que eu estaria chorando na primeira poça de água kkkk
    Parabéns!

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    1. Claudia,
      De fato foi emocionante. Mas o que é bom em andar de bicicleta é exatamente isto, a novidade, o inédito. E nesse primeiro dia, sobrou aventura!
      Obrigado por acompanhar!

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