Éverton, o proprietário da Pousada das Cores (que aparece ao fundo da foto anterior), é o homem que produz os vinagres de frutas, que além de tempero culinário, é eficaz no trato intestinal:
Ainda na cidade, passamos pela igreja Matriz do Rosário que, segundo a tradição oral, foi construída por negros alforriados e senhores mestiços e é tombada pelo IPHAN:
Nas pedaladas pelo interior do Brasil, que fazemos há 10 anos, fico sempre atento, procurando por plantas silvestres que marcaram a minha infância rural, as quais, em razão dos desmatamentos, nunca encontrei: murici, gabiroba, araticum, araçá, bacupari, maminha de cadela, etc... Qual não foi minha surpresa, pouco depois de sairmos de Cocais e entrarmos na estradinha para Barão de Cocais, ao me deparar com um pé de gabiroba, bem na beira do caminho:
Uma surpresa emocionante, fazendo-me crer que, nos poucos campos de cerrado ainda existentes, persistem e sobrevivem essas plantinhas, com seus deliciosos frutos.
Olhando para trás, Cocais já ia ficando à distância:
O caminho hoje, como, aliás, foi todos os dias, descortinava belas paisagens para gravar na memória e não mais esquecer:
Então chegamos ao Sítio Arqueológico da Pedra Pintada, uma propriedade particular que sobrevive do custeio das visitas ao local e da venda de produtos regionais como farinha de jabuticaba e outros produtos naturais típicos da região.
O acesso ao local onde estão as pinturas rupestres é rápido, a pé, leva menos de 10 minutos e é monitorado por um guia, que é ninguém menos que o proprietário do sítio.
As pinturas ficam em um paredão localizado sobre uma ampla plataforma de pedras, de onde a vista alcança uma vasta região de vales e montanhas, mostrando que os índios, os autores, tinham bom gosto e usavam de estratégia para escolher o local de sua aldeia: um lugar bonito, com uma única entrada e de difícil acesso. Como diz a placa acima, estas figuras datam de 6 mil a 8 mil anos atrás.
Depois que saímos do sítio arqueológico, seguimos por uma estradinha estreita, por onde acredito que nenhum veículo automotor trafegava há muito tempo, em razão de haver árvores caídas sobre o leito carroçável, que pareciam estar ali há muitos dias:
Subimos durante um bom tempo, chegando ao alto de um morro, de onde era possível avistar Barão dos Cocais. A descida é feita em zig-zag, com alguns trechos calçados de forma muito irregular por pedras, dificultando o deslizar das bicicletas:
Alguém comentou no caminho que as mineradoras (que dão vida à região, por um lado, mas que por outro estão destruindo as montanhas e a vegetação) estão construindo estradas de ferro para escoamento das produções, que não são dessas comuns, mas que unem picos das montanhas. Nós pudemos ver de perto e comprovar isto:
Soubemos, já em Barão do Cocais, que a distância entre Catas Altas, nosso destino do dia e a Pousada do Santuário do Caraça, onde havíamos feito reserva antecipada, havia uma distância de 40 quilômetros. Não haveria condições de cumprirmos todo o percurso do dia mais esses 40 km.
Barão de Cocais é uma cidade construída ao redor da fábrica de aço da Gerdau, onde caminhões da empresa passam o dia jogando água nas ruas para lavar o pó que exala da indústria.
A van que havíamos contratado para nos levar a Belo Horizonte no dia seguinte, era de Barão do Cocais. Em conversa com o dono, acabamos contratando-o para nos levar a Catas Altas e depois ao Santuário, o que acabou se revelando uma sábia decisão.
Em Catas Altas, procuramos o pub do Vinicius Dutra, aquele mesmo que havíamos encontrado em Serro e ao qual prometemos visitar no final da viagem.
Seu estabelecimento é o La Violla, um lugar super "irado", muito bem ajeitado, decorado com peças rústicas e que oferece mais de 600 rótulos de cervejas, inclusive uma de sua própria fabricação, a Pub Chopp, que é distribuída em toda a região, inclusive Belo Horizonte:
Ali experimentamos e adoramos as costelas de porco ao molho de jabuticaba e com ora-pro-nobis. A entrada foi banana chips:
Uma estátua de Neymar e a cachaça do Mussum também estão presentes:
Já se vê a olho nu a ação das mineradoras, já bem perto da cidade e das montanhas, o que faz imaginar o risco que corre a RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) do Caraça:
De Catas Altas seguimos para o Santuário, que se localiza atrás da montanha que se vê nas fotos acima. Em linha reta, se fosse possível cruzá-la, estaríamos bem perto, mas tendo que contorná-la, a distância era de 40 quilômetros, tendo que ir até Santa Bárbara para pegar a entrada.
O Santuário, que já foi um colégio, tem o nome de Caraça que, segundo uma corrente, é devido ao formato de um trecho da montanha que lembra uma grande cara humana (foto: Padre Lauro Palú).
Trata-se de um local encantador, com jardins muito bem cuidados, apartamentos onde tudo funciona perfeitamente (há uma equipe permanente de manutenção), restaurante com cardápio variado e pratos muito saborosos, paz e tranquilidade, muito verde ao redor, trilhas para caminhadas em meio à reserva, excelente atendimento e uma característica única e exclusiva: é o único lugar no Brasil onde um lobo guará vem todas as noites para comer do prato que o Padre Lauro prepara para ele.
A reserva natural oferece pontos de interesse turístico e religioso para visitas, com trilhas que podem ser percorridas a pé, a partir do Santuário. Tratam-se de cachoeiras, igrejas, grutas e picos, entre outros, sendo que alguns são autoguiados e outros que necessitam de guias credenciados.
Já foram catalogadas na reserva, 386 espécies de aves, 42 espécies de cobras, lagartos e sapos, 12 espécies de peixes e 76 de mamíferos.
Equipes de estudiosos de outros países, ou mesmo de brasileiros, para trabalhos acadêmicos ou teses de formatura, vêm para o Caraça, onde ficam hospedados enquanto usam toda a vasta cobertura florestal da reserva para efetuar suas pesquisas.
No local há um museu, que foi montado no que restou do colégio após um incêndio que destruiu grande parte do prédio. O incêndio, segundo consta, iniciou-se a partir de um fogareiro esquecido ligado por um estudante.
Há, na entrada do Santuário, um marco do Caminho Real, um carvalho espetacular e uma pequena lagoa:
Levantamo-nos incontinenti e fomos ver. Lá estava ele, calmo, sossegado, "nem aí" para os flashes e as pessoas:
Fotografei, no corredor do restaurante, uma foto que se encontra na parede e é surpreendente:
Depois de comer, ele vai embora tranquilamente:
Nós fizemos, na parte da manhã do dia seguinte, uma das trilhas possíveis oferecidas aos visitantes. Fomos à Cascatinha, acompanhados pela Sra. D. Marie Thérèse Odette Ernest Dias, nascida na França em 02/02/1929, flautista, musicista e pesquisadora de música brasileira. Veio para o Brasil em 1952, para tocar na Orquestra Sinfônica Brasileira, tendo se casado posteriormente com um brasileiro, de Minas Gerais. E não voltou mais para a França, apenas a passeio. Lecionou na Unb, participou de inúmeros projetos na área de música e continua morando no país, mesmo depois de ter enviuvado. Apesar de seus 86 anos de idade (vai completar 87 daqui há alguns dias), ela percorreu com tranquilidade os 6 km de ida e volta:
A Cascatinha é uma queda d'água em diversos níveis, com a incrível água escura da região:
Na volta, fomos brindados com um mini-concerto de Dª Odette, na capela. Flutuando ao som de sua concreta flauta mágica, assistimos extasiados:
Já em BH, com nossos amigos Inês Antunes, Adriana Fonseca Fróes e Sandro Campos Guimarães, saboreando deliciosas Backer e pizza...
Assim foi nossa ciclo viagem: 315 km, evitando a região de Mariana, em razão do rompimento da barragem que varreu do mapa a cidade de Bento Rodrigues.
E as mineradoras estão cobiçando a Serra do Caraça, para passar um mineroduto. Até quando vai resistir?