domingo, 8 de maio de 2011

10º Dia (Caminho da Fé) - De Campos do Jordão a Aparecida

 São 72 km de pura adrenalina. Descidas alucinantes, asfalto liso, tráfego ao lado de veículos em alta velocidade. Esta última etapa marca de forma categórica o final da “viagem”. Mas, mesmo sem sair muito cedo e embora o percurso seja razoavelmente longo, acabamos chegamos com tranqüilidade no início da tarde em Aparecida. 
Foto 01 - Refúgio dos Peregrinos - Campos do Jordão
No Refúgio dos Peregrinos (foto 01), em Campos do Jordão, contamos com a atenção e carinho da Marilda e do Edison, além da alegre presença da pastora Clara. Aqui o peregrino é tratado com tanta deferência que, só para dar um exemplo, não controlam a geladeira de bebidas. A Marilda diz: “no final, vocês me dizem o que tomaram.” E funciona assim mesmo...
Com um pouco de sorte e persuasão, pode-se convencer o Edison a cantar. Depois do jantar, enquanto ficamos naquele bate papo animado com todos os outros peregrinos, o Edison pode se animar e alegrar ainda mais o ambiente com seu violão e a bela voz. Ali se contam histórias e se dá boas gargalhadas ouvindo as peripécias de cada um.

Foto 02
Nunca me esqueço da nossa primeira estadia por lá. Estavam ali também o Marco Pathe, de Vinhedo e dois rapazes de Tabatinga, pequena cidade de 14 mil habitantes, próxima a Ibitinga, chamados Barleta e Belé. O Marco tinha, na época, uma super bicicleta, importada, daquelas em que o garfo da suspensão se apóia de um lado só. Era a primeira vez que eu via uma bicicleta daquelas. E ele não se conformava com a dupla de Tabatinga, que havia conseguido chegar até Campos do Jordão em bicicletas comuns, sem marchas, as quais o Marco chamava de “pangarés”.
Barleta e Belé, uma dupla engraçadíssima, colegas de faculdade, reagiam com tranqüilidade à brincadeira do Marco e contaram em detalhes como tudo havia começado. E eu peço licença a eles para repetir aqui a história, ou ao menos o que eu conseguir me lembrar dela, esperando que isso não os comprometa...

Foto 03
 Eles viajavam diariamente para ir de sua cidade à faculdade, em um ônibus de estudantes. E gostavam de agitar, conversando sobre aventuras que ambos viviam, algumas verdadeiras, outras nem tanto, fantasiando e recheando as histórias de feitos para impressionar especialmente “as” colegas de viagem. E narravam suas andanças com tamanha naturalidade, um incrementando as invenções do outro, que ninguém sequer desconfiava que boa parte era tudo imaginação...
Pois bem, numa dessas, souberam do Caminho da Fé e começaram a dizer que iam percorrê-lo de bicicleta, porque isso, porque aquilo, até que alguém no ônibus ouviu e a notícia começou a se espalhar. Rapidamente chegou aos ouvidos de um radialista da emissora local, o qual anunciou com galhardia, que dois jovens, filhos de Tabatinga, iam fazer o Caminho da Fé e que a atitude era digna de elogios e orgulho para a cidade, cuja população oraria por eles, para que chegassem bem, sãos e salvos a Aparecida, e fossem testemunhas in loco, da fé que a cidade devotava.

Foto 04
O dono de um posto de gasolina se propôs a patrocinar a viagem e mandou confeccionar abrigos para os dois. E surgiu até patrocínio financeiro, para custear estadia e alimentação durante a viagem.
Não era mais possível recuar! Agora tinham que ir em frente! Mas como, se um deles nem bicicleta tinha? O jeito foi arranjar uma, fazer rapidamente alguns dias de treino e enfrentar o Caminho, sob os aplausos da cidade, que iria acompanhar os avanços da dupla pela rádio local.
Foto 05
E ali estavam eles, Barleta e Belé, com extremo bom humor, divertindo-se e tornando melhor o mundo ao seu redor. Também eles, com o violão do Edison, tocaram e cantaram para alegrar o ambiente. E foi, talvez, a noite mais divertida de todo o Caminho.
A saída de Campos do Jordão se faz retornando à avenida e virando à esquerda, na direção de São Paulo. Algumas quadras adiante, dobra-se à esquerda novamente, pegando um vigoroso aclive em direção ao alto do morro, passando ao lado de grandes residências de veraneio, típicas da cidade que é a estância de inverno mais famosa do Estado de São Paulo. 
Foto 06

Seguimos pela via que se torna uma estradinha estreita entre a floresta, acredito que seja a antiga saída de Campos para São Paulo e de onde se avista todo o vale verde e arborizado. Há que ter muito cuidado, pois há trânsito de veículos nos dois sentidos e muitas curvas que não permitem avistar muitos metros de estrada, além de buracos no asfalto antigo e sem manutenção.
Ao chegar à estrada de ferro, os pedestres devem seguir pelos trilhos e os ciclistas os cruzam, chegando à rodovia, prosseguindo pelo acostamento, montanha abaixo.
Muito cuidado ao passar pelo túnel. Há verdadeiros buracos em tampas de galerias feitas de concreto, em desnível ao piso do acostamento. O Edison já havia nos alertado e apesar da recomendação dele, levei o maior tombaço ao ter a roda da frente bloqueada num desses rebaixos. O capote atirou-me de costas no cimentado e só não foi mais grave porque eu estava com a mochila. Mas assustei todo mundo que assistiu, foi digno de circo! Meu irmão, na ânsia de me socorrer, encostou mal a bicicleta na parede do túnel e esta acabou por cair em cima mim. Felizmente, exceto pequenas escoriações, não me machuquei e pudemos seguir em frente.

Foto 07
Após a descida, desviamos à esquerda no trevo que indica saída para Pindamonhangaba. E aí prosseguimos quase sempre pela beira da estrada, pois não há acostamento transitável em grande parte do trecho. Há, na saída de Pindamonhangaba, uma agradável ciclovia, por vários quilômetros, facilitando a vida do ciclista.
Em Aparecida você pode ir de bicicleta até a Basílica (fotos 02 e 03) ou, como fizemos em uma das vezes que fomos até lá, parar na Pousada Jovimar para passar a noite. Mandamos para lá antecipadamente as malas-bikes, combinação que fizemos por ocasião da reserva. No mostrador do odômetro da bicicleta (foto 04) a prova do percurso, incluindo os erros que nos custaram alguns quilômetros a mais... Como geralmente chegamos cedo, há tempo para ir até a basílica (foto 05) e andar pelos arredores (foto 06). Na manhã seguinte, um taxi nos leva à Rodoviária (foto 07) para o retorno. Na bagagem, as credenciais (foto 08) quase totalmente preenchidas mostram todas as paradas do Caminho...
O espírito, descarregado das tensões do dia a dia, mais leve e preparado para a volta à faina diária, vai lembrar com saudade desses 10 dias de descontração e alegria, ao lado dos anjos do Caminho...

Foto 08 - As credenciais

P.S.: Esta foi a última narração sobre o percurso completo do Caminho da Fé. Faltam exatamente duas semanas para a viagem à Espanha, onde percorreremos o Caminho de Santiago. Renovo aqui a promessa inicial: se for tecnicamente possível (disponibilidade de Internet), postaremos diariamente neste blog fotos e impressões do tradicional “Camino”. Obrigado por lerem. Até o próximo.

3 comentários:

  1. Somos o casal Itamar e Cristina, que chegou a noite na Pousada Sobreira, estamos ansiosos por notícias de voces, principalmente a expectativa da viagem para Compostela, assim que tiverem tempo entrem em contato conosco. Abraços e muito sucesso.

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  2. Vocês me convenceram, vou me programar para enfrentar as subidas... obrigada casal nota mil!

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  3. Eu é que agradeço, Claudia. E parabéns pelos relatos diários. Lindas fotos, que ficam mais brilhantes com seu bom humor... Ah, e mais uma coisa: vi sua entrevista na "Bicicleta". Bem você! Orgulho-me de tê-los como amigos. Até qualquer dia por aí...

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