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O dia seguinte, prá variar, amanheceu chovendo. Que novidade! Não foi possível executar o programa traçado na véspera: nada de ver bezerros ou visitar a outra casa da pousada. Depois do café, mesmo sob chuva, decidimos pedalar em direção à pousada da Dona Cidinha, pelo caminho de terra. Havia chegado um casal de ciclistas, o Marcos e a Solange, de Batatais, que havia vindo de lá e informaram que o caminho não estava muito ruim, que dava para passar bem. Só havia uma poça grande, mas que era possível passar pelo lado direito. O Sr. Félix havia se referido a este trecho, dizendo que havia uma pequena ponte, onde a água estava passando por cima, formando uma mini lagoa, intransponível a seco. Mas como a maior parte do trecho seria de declives, botamos o pé na estrada. Ou o pneu, né?
De saída, uma íngreme subida, asfaltada, mas que provocava a sensibilidade de todos os músculos desgastados do esforço da véspera. Com muito custo, chegamos ao topo e iniciamos a descida pela estrada de terra. E aí ocorreu um encontro inusitado: cruzamos com um elegante senhor que caminhava em sentido contrário. Camisa e calça social, capa de chuva sobre o corpo e a mochila, chapéu na cabeça.
- Bom dia!
- Bom dia, respondeu.
- O senhor mora aqui?
- Não! Estou caminhando.
- Tem propriedade por aqui?
- Não, estou fazendo o Caminho.
- Ah, está fazendo o Caminho da Fé?!
- É...
- Nooooooooooossa! O senhor parece um lorde inglês. Como é o nome do senhor?
- Hélio!
- E de onde o senhor é?
- Sou de Patrocínio Paulista, perto da divisa de Minas.
E foi assim. O Sr. Hélio, que disse que vai completar 70 anos de idade e que caminha de traje social, vinha vindo desde Mococa e pretendia dormir em São Roque da Fartura. Indicamos para ele a Pousada Paina e lhe dissemos que ele seria muito bem atendido lá. E depois nos despedimos, desejamos-lhe boa caminhada e... Esquecemos de fotografá-lo!
Não demorou muito para chegarmos ao trecho pior: além do barro natural da estrada, haviam passado uma motoniveladora poucos dias antes e após o trânsito de alguns tratores, vocês imaginem como ficou (foto 05).
Foto 05 |
E chegou a lagoinha. Tentamos atravessar pedalando, mas não teve jeito: a bicicleta parou no meio da água suja e tivemos que pisar na poça e empurrar.
Seguimos, logo nos aproximamos da Pousada da Dona Cidinha e a poucos metros da entrada, três motoqueiros trilheiros nos alcançaram, com suas roupas coloridas e barro por todo lado. Iam para São João da Boa Vista e havia uma bifurcação na estrada que os estava deixando em dúvida. Indicamos o caminho e seguimos, encontrando, já na entrada da pousada, o Júnior (filho da Cidinha), sempre com sua moto de trabalho. Trazia nas costas uma bomba de pulverização e estava, segundo ele, se dirigindo a uma plantação de batatas para “sulfatar” as plantas que, com o excesso de chuvas, estavam sujeitas a doenças. Com uma trégua da chuva, mesmo sendo domingo e ainda de carnaval, lá foi ele executar o seu trabalho.
Terminamos de chegar e a Cidinha veio ao nosso encontro, com sua eterna
festa, sempre nos recebendo extremamente bem e com muita alegria. Abraços de cumprimentos a ela e ao Chico, seu marido. Antes do banho, esguicho nas bicicletas para tirar o barro. A Cidinha tem uma mangueira de pressão no curral, levamos as bicis para lá, lavamos, depois as deixamos secando.
Foto 06 |
Almoçamos salada de alface, abóbora e pepino, com um excelente tempero preparado em separado, arroz, feijão, macarrão e leitoa! Aff! A sobremesa, na casa da Cidinha, é um negócio à parte: três ou quatro espécies de doce, para escolher à vontade. Ou comer um pouquinho de cada um deles... Se me lembro bem, tinha doce de banana, de mamão, de abóbora e de leite!
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Foto 08 |
Antes disso, o Fernando havia se encontrado com um Sr. Alexandre, abstêmio, que lhe disse que não poderia entrar com cerveja na pousada da Cidinha. Trazendo três latinhas na sua mochila, quando a Cidinha pediu sua roupa suja para lavar, ele não quis entregar, com receio de que ela visse suas cervejas e não os deixasse ficar, sei lá! Enfiou a mochila embaixo da cama, para evitar que avistassem as latinhas. Mas a Cidinha, com sua espontaneidade, entrou lá, catou a mochila com a roupa suja e, logicamente, achou as cervejas! Pronto, pensou o Fernando, ferrou! Mas, como não era nada disso, a Cidinha tem até cervejas em sua geladeira, para servir os peregrinos, o mal entendido foi esclarecido e o Fernando pode saborear suas cervejas com tranqüilidade.
Foto 09 |
Na manhã seguinte, depois do delicioso café da manhã, composto de leite, café, chá, pão e manteiga caseiros, bolachinhas de nata e pão de queijo, partimos de volta para São Roque da Fartura. Fernando e Sueli já tinham saído há algum tempo. Nós os alcançamos alguns quilômetros adiante, um pouco antes de passar novamente pela “lagoa” de lama.
Foto 10 |
O dia, porém, nos reservava uma agradável surpresa. Conhecemos, naquela tarde a netinha mais nova do Sr. Félix e D. Clair. É uma figura! Lindíssima, adora tirar fotografias, fazendo poses e mais poses para a felicidade dos avôs corujas. Chama-se Maria Amélia e tem dois anos de idade. O cachorrinho é o Bandido (figura 11).
Figura 11 |
Mais tarde fomos ver a outra casa da Pousada, mais acima. É uma casa antiga, de piso de madeira, com dois quartos que tem camas de casal e outros dois com beliches. Há uma pequena cozinha com fogão e mesa para refeições rápidas.
Naquela noite, após o jantar, veio visitar os pais a filha de Dona Clair, Evandra, com seu marido Paulo, pais da Maria Amélia. Veio também uma irmã de Dona Clair, Gina, com seu marido. Jogavam trilha, contavam histórias e minha esposa preparou a sobremesa: virado de banana. Foi o maior sucesso! Receita mineira que agradou a todos, muito simples de fazer: corte oito bananas prata em rodelas de até meio centímetro de largura. Corte também um pedaço de queijo minas, de preferência fresco, em quadradinhos e reserve. Pode ser também outros tipos de queijo, como mussarela, por exemplo. Mas o que fica melhor é o mineiro. Leve a banana ao fogo, numa panela com duas colheres (de sopa) de manteiga. Adicione quatro colheres (de sopa) de açúcar e uma pitada de sal, mexendo sempre. Quando a banana estiver começando a amolecer, acrescente o queijo e uma porção de farinha de milho, a gosto. Mexa mais algum tempo e desligue o fogo. É um pitéu!
Partimos na manhã seguinte, mais uma vez pelo asfalto, em direção a Divinolândia. Como continuava chovendo praticamente direto, desde o dia 28 de fevereiro, o mais sensato era evitar a estrada de terra. O mais engraçado é que, ao ver-nos virando para a esquerda, na saída de São Roque, um senhor que passava protestou: “Ei! Está errado! É pro outro lado!”. De fato, o Caminho cruza a estrada asfaltada e sobe do outro lado. Mas não era o nosso destino desta vez. Rumamos em direção à estrada Vargem Grande/São Sebastião da Grama. Depois, no trevo, viramos à direita até São Sebastião. A certa altura, alguém semeou girassóis à beira da estrada. E aproveitamos para eternizar o momento (foto 12). Estes trechos não têm acostamento asfaltado. No trevo de São Sebastião viramos à direita, em direção a Divinolândia. Paramos sobre a ponte para comer as bananas que trouxemos da casa do Sr. Félix. É bom para repor as energias e auxiliar na redução da possibilidade de cãibras. Seguimos, então, agora, felizmente, com acostamento asfaltado. Chegamos perto das 13 horas em Divinolândia. Almoçamos, tomamos um banho no Hotel Lunayma, onde havíamos deixado as malas-bike, fomos para a Rodoviária, desmontamos e embalamos as bicicletas, exatamente a tempo da chegada do ônibus. Enquanto fazíamos isso, aproximou-se de nós o Sr. João, acompanhado pelo filho. Ele tem um pesqueiro 500 metros adiante do trevo de Poços de Caldas, na direção de Caconde. Anda diariamente de bicicleta e convidou-nos para ir visitar a sua propriedade. Futuramente, certamente iremos. Houve tempo também para um papo com o Sr. José Donato, taxista, que nos orientou na chegada, sobre as estradas asfaltadas da região. Somos muito gratos a todos. Gosto sempre de repetir: são os anjos do Caminho.
Foto 12 |
Embarcamos às 15h20min. Sempre sob chuva...
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