Saímos da Pousada do Galdino às 7:40 h da manhã, sem
café. Deixamos o pagamento sobre uma mesa, no quarto, já que ninguém atendeu a
campainha que tocamos insistentemente. A visão, a partir da área de serviço era
deslumbrante:
Vista de Blumenau a partir da varanda da Pousada do Galdino |
Descemos a ladeira inicial e tomamos a
direção de Apiúna, novamente guiados pelo GPS, através de trilha gravada no
Wikiloc (www.wikiloc.com), por Jessie H. Chimachi.
Procurávamos no caminho, na saída da
cidade, uma padaria para tomarmos um café e nos abastecermos de água para a
jornada, que seria longa: previsão de 73 km, via Faxinal do Beppe (Parque
Nacional da Serra do Itajaí).
Depois do café, pedimos para prepararem
dois lanches cada um para o restante do dia, já que não passaríamos por nenhum
povoado ou local onde pudéssemos matar a fome. E seguimos, inicialmente por
asfalto:
Saída de Blumenau, em direção a Apiúna (SC) |
Logo, porém, o asfalto deu lugar a uma
estradinha de terra batida, bem lisa e agradável, embora em aclive, em meio a
uma floresta. A chuva e a neblina se intensificavam. Foto 6803 e 6808
Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC) |
Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC) |
Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC) |
Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC) |
Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC) |
Igreja existente no Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC) |
Mais à frente, passamos por um estande de
tiro ao alvo, bem ao lado da estrada:
Estande de tiro no Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC) |
O caminho seguia bucólico e nós pedalando
em meio às poças de água, às vezes ao lado de riachos de águas límpidas:
Num certo momento, cruzamos com um grupo de
motoqueiros, estes “do bem”, que lamentaram a situação encontrada na igreja,
dizendo que pessoas que assim agem denigrem a imagem daqueles que só usam o
veículo para o trabalho ou lazer, sem destruir a natureza ou danificar
propriedades de outrem. Um deles é o Evandro, do grupo xtzeirosdobrasil.
Esta etapa é muito solitária, depois que se
sai da região habitada. Durante todo o percurso, encontramos apenas o grupo de
motociclistas citado, um ciclista, com o qual batemos um papo e que nos disse
que iríamos chegar bem à tardinha e um senhor a pé, bem no alto da montanha,
que nos assegurou que daí para a frente eram cinco quilômetros de descidas.
Além de um fazendeiro citado mais adiante. Algumas passagens, entretanto, são
divertidas, como os quatro (quatro mesmo!) córregos os quais tivemos que
atravessar neste dia, por dentro da água:
Uh! uuuuuuuuuuuuuh!
A placa de boas vindas na entrada do
Faxinal do Beppe está desta forma:
Resumidamente, a história do lugar pode ser
contada assim: Um italiano, de nome Beppe Molinari, instalou-se com sua família neste
local e mantinha-se com a produção agrícola e pecuária. Instalou uma pousada
rural para o atendimento de viajantes. Posteriormente, o governo resolveu criar
nessa região um parque nacional e desalojou as famílias que ali viviam,
transferindo-as para outro lugar. Quem quiser saber mais, basta procurar na
Internet, há muita informação.
Tudo agora é uma triste imagem de abandono.
Há um trecho em que um riacho invade a estrada e a percorre por uns 30 metros:
Se tiverem a curiosidade de olhar na Internet,
verão como era a propriedade no seu auge. Hoje está assim:
Propriedade abandonada no Faxinal do Beppe |
Barracão abandonado no Faxinal do Beppe |
Passagem pelo Faxinal do Beppe, no Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC) |
Muitas vezes, mesmo em descidas, tínhamos
que ir desmontados, segurando a bicicleta e pisando com muito cuidado para não
cair. O barro aderia aos pneus, aos garfos, às correntes, à suspensão, às
coroas e aos tênis, formando grossas camadas, que impediam a rodagem, sendo
necessária a limpeza constante, para ir avançando, mesmo que aos poucos. Às
vezes, ao tentarmos um passo, o pé até saía do tênis, que ficava grudado no
barro. A bicicleta ficava muito mais pesada e difícil de conduzir. Como
consequência, fomos nos atrasando.
Numa parada, enquanto consultava o caminho
no telefone, a bicicleta, que estava encostada em minha perna, tombou,
atingindo, com a extremidade do guidão, os dedos do pé da minha companheira. Só
percebi o que aconteceu depois do grito de dor que sibilou no ar. A situação já
era complicada o bastante e como eu poderia ter deixado acontecer isto?
Passados os instantes iniciais de sofrimento,
a dor foi passando e ela se disse pronta para prosseguimos. Quando passamos por
uma fazenda, cujo proprietário ainda não havia abandonado o local, ainda
faltavam uns 30 quilômetros e o tempo já dava sinais de estar escurecendo. O
barro, intenso e pegajoso, ficou pior neste trecho, por causa do pisoteio do
gado e excrementos lançados no caminho. Seguíamos, entretanto, fazendo os
cálculos da hora que poderíamos chegar...
A partir deste momento não há mais fotos,
porque escureceu de vez. Instalamos o farolete que nos foi cedido gentilmente
pelo Jessie e a luz se acendeu, maravilhosa, iluminando o caminho.
Mas as dificuldades não diminuíram e os
avanços continuavam muito lentos e pouco nos aproximavam da chegada.
Não demorou muito e o farolete apagou. A
bateria acabou. Não sei precisar o tempo que transcorreu mas, de repente, tudo
ficou escuro. Como breu. Não se via uma luz, para qualquer lado que olhássemos.
Pensei: e agora?
- Temos a lanterna, disse, sem nenhuma
variação na voz, nada que pudesse denotar medo ou insegurança, a Eros. E
procurava nos seus pertences.
Uma pequena lanterna, que desta vez nos
lembramos de levar, poderia ser a salvação. Liguei-a e, naquela escuridão, o facho
que ela emitia permitia enxergar o caminho, de forma que pudéssemos continuar.
Mas, ainda sem pedalar.
Caminhávamos assim, procurando o melhor
jeito de iluminar para os dois, pois o facho era estreito e se eu iluminava
para ela, não via para onde eu estava indo e se iluminasse para mim, ela é que
não enxergava. Direcionava o facho para a frente, de instantes em instantes,
para ver se estávamos seguindo a estrada. Havia despenhadeiros à beira do
caminho e todo cuidado era pouco. Aos poucos, fomos percebendo o jeito em que a
luz era melhor aproveitada por nós dois e fomos indo paulatinamente. Chegou a
passar pela minha cabeça, com horror que, se as pilhas da lanterna descarregassem,
teríamos que passar a noite ali, no meio do nada, sob chuva e sem abrigo...
Nossa ousadia, entretanto, não ficaria
impune. Num instante, quando eu me encontrava ligeiramente à frente dela, Eros
escorregou e caiu no barro. Sem entender bem o que aconteceu, fiquei tentando
ajudá-la a se levantar, quando ela me disse para ir com calma, porque havia
torcido o pé.
Naquele momento
a única expressão que meio à cabeça, foi:
- Meu Deus!
Esperei que ela se ajeitasse e me indicasse
o que fazer para ajudá-la. Aos poucos foi-se levantando e se eu pudesse ver sua
expressão, tenho certeza que, naquela situação, além da dor eu veria muita
determinação. Pois ela se levantou e disse:
- Vamos continuar.
- E seu pé? Perguntei.
- Dá para continuar. Depois a gente vê.
Continuamos assim, com nossa parca
iluminação, por uns 20 quilômetros. Já era cerca de 11 h da noite quando
avistamos o que poderia ser uma luz, a uma certa distância adiante. Ao mesmo
tempo, ouvimos barulho de motor de um veículo, o qual foi se intensificando e
percebemos que vinha em nossa direção, no mesmo sentido em que estávamos
seguindo.
Ficamos parados, à beira da estrada,
iluminando-nos com a lanterna, para que fôssemos vistos, mas, era uma
camionete, que passou por nós e seguiu adiante, ignorando-nos completamente.
Sem dizer palavra, seguimos em direção
àquela luz, que parecia estar à beira da estrada. Mas o pensamento fervilhava,
em razão do socorro que poderíamos ter tido e que, infelizmente, talvez por
medo, passou reto. Ao nos aproximarmos, verificamos tratar-se de um poste
isolado, marcando uma entrada de propriedade que não conseguíamos vislumbrar. O
jeito foi seguir em frente.
Aos poucos, foram surgindo outras luzes e
até casas, mas que, sem indício de movimento, não ousávamos perturbar àquela
hora da noite.
Por volta de meia noite, chegamos ao que
parecia ser um povoado, com várias casas espalhadas, iluminação flácida e até
uma igreja. Nenhum sinal de vida. Pensávamos: será aqui Apiúna? Mas a estrada
seguia e nosso marcador indicava ainda estarem faltando 7,9 km. Eros resolveu
testar se conseguiria pedalar. E, surpresa! Conseguiu!
Assim, demos continuidade, sempre com ela
se preocupando com as margens da estrada, pois às vezes ouvíamos som de rio bem
próximo. Vimos, então, uma casa com a numeração 3783. Imaginamos que faltariam
menos de 4 km para a cidade. Continuamos por um tempo que pareceu-nos uma
eternidade e nada...
De repente, dois cachorros desceram uma
rampa que dava acesso a uma casa, latindo furiosamente e correndo em nossa
direção. Fiquei com medo. Preocupado, tentava ver onde estavam os cachorros,
segurando a lanterna em uma das mãos e o guidão da bicicleta na outra. Ah,
aconteceu o que faltava: caí, estatelado no barro. Adoro cachorros, mas este
aí, se eu pudesse pegá-lo, tê-lo-ia esfolado vivo! Quando ele viu que eu caí,
manteve sua desabalada carreira em frente, desaparecendo na escuridão.
Só me restou levantar, xingar mentalmente,
chutar seu traseiro com toda a força, fazendo-o voar em direção à lua, para que
nunca mais perturbe pacatos, extenuados e sujos transeuntes.
Sem nenhum machucado, exceto no orgulho,
montei a bicicleta e seguimos. Parecia que chegaríamos em Gramado, mas não
chegaríamos em Apiúna!
Mais um pequeno trecho e, não acreditei,
asfalto! Liso, perfeito e sinalizado com faixas, asfalto! Estávamos chegando!
A alegria durou pouco, porém. Logo o
asfalto acabou e voltamos à estrada de terra batida, cheia de poças de água
suja e pedras. Ô, tristeza! Já surgiam muitas casas, iluminação, mas nenhuma
indicação de Apiúna. Havia um rio ao lado da estrada e uma ponte que levava ao
outro lado, onde também havia uma fileira de casas. Será que é do lado de lá?
Finalmente, perto de 1 h da manhã, chegamos
mansamente aos paralelepípedos da entrada de Apiúna. Agora sim, uma cidade, com
lojas, ruas, luzes. Nenhum sinal de vida, porém, a não ser, a uma certa
distância, o que parecia ser uma rodovia, com movimento de veículos. Ligamos
para o hotel, que nos ensinou o caminho. De passagem, avistamos uma lanchonete
ainda aberta e paramos. Era exatamente 1 h. Pedimos licença para entrar, pois a
sujeira era tanta que, se nos proibissem a entrada, entenderíamos
perfeitamente. Comemos com apetite uns salgados e tomamos água restauradora. Apontaram-nos
a direção do hotel, que ficava uns 500 m adiante, junto a um restaurante.
Quando vimos “hotel”, entramos, registramo-nos, banhamo-nos e fomos dormir
rapidamente. Eram 2 horas da manhã. Só no dia seguinte percebemos que havíamos
entrado num hotel errado, não naquele que havíamos efetuado a reserva...
Mas isto é assunto para o próximo dia...
Quilometragem percorrida: 76,29 km.
Puxa vida, que dificuldade nesse dia.
ResponderExcluirPuxa vida, que dificuldade nesse dia.
ResponderExcluirMeuuu Deussss... faltou o ar aqui!!!! Que perrengues!
ResponderExcluirComo admiro vocês dois... muito guerreiros e resilientes! Parabéns!
Pois é, Claudia e Ecedir: todos nós somos capazes de muito mais do que imaginamos poder...
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