domingo, 19 de junho de 2016

Blugrama - Navegantes a Gramado - 2º dia - De Blumenau (SC) a Apiúna (SC) - 29 de maio de 2016

Saímos da Pousada do Galdino às 7:40 h da manhã, sem café. Deixamos o pagamento sobre uma mesa, no quarto, já que ninguém atendeu a campainha que tocamos insistentemente. A visão, a partir da área de serviço era deslumbrante:
Vista de Blumenau a partir da varanda da Pousada do Galdino
Descemos a ladeira inicial e tomamos a direção de Apiúna, novamente guiados pelo GPS, através de trilha gravada no Wikiloc (www.wikiloc.com), por Jessie H. Chimachi.

Procurávamos no caminho, na saída da cidade, uma padaria para tomarmos um café e nos abastecermos de água para a jornada, que seria longa: previsão de 73 km, via Faxinal do Beppe (Parque Nacional da Serra do Itajaí).

Depois do café, pedimos para prepararem dois lanches cada um para o restante do dia, já que não passaríamos por nenhum povoado ou local onde pudéssemos matar a fome. E seguimos, inicialmente por asfalto: 
Saída de Blumenau, em direção a Apiúna (SC)
Logo, porém, o asfalto deu lugar a uma estradinha de terra batida, bem lisa e agradável, embora em aclive, em meio a uma floresta. A chuva e a neblina se intensificavam. Foto 6803 e 6808
Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC)
Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC)
Bem protegidos, com nossas capas de chuva envolvendo as mochilas, blusa corta vento e gorros na cabeça, prosseguíamos morro acima, apreciando as belezas naturais e mantendo os músculos aquecidos pelo pedal. Fotos 6812, 6815 e 6816
Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC)

Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC)
Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC)
Depois de algum tempo chegamos à igreja que existe na parte alta da montanha, a qual havia sido recentemente reformada. Constatamos, com tristeza, que vândalos, em motocicletas, haviam se divertido efetuando manobras radicais com suas máquinas na área defronte ao prédio, conforme pode ser visualizado na foto abaixo, espirrando barro e deixando as marcas de sua estupidez nas paredes recém pintadas, sem o menor constrangimento. 
Igreja existente no Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC)
Mais à frente, passamos por um estande de tiro ao alvo, bem ao lado da estrada: 
Estande de tiro no Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC)
O caminho seguia bucólico e nós pedalando em meio às poças de água, às vezes ao lado de riachos de águas límpidas: 




Num certo momento, cruzamos com um grupo de motoqueiros, estes “do bem”, que lamentaram a situação encontrada na igreja, dizendo que pessoas que assim agem denigrem a imagem daqueles que só usam o veículo para o trabalho ou lazer, sem destruir a natureza ou danificar propriedades de outrem. Um deles é o Evandro, do grupo xtzeirosdobrasil. 
Esta etapa é muito solitária, depois que se sai da região habitada. Durante todo o percurso, encontramos apenas o grupo de motociclistas citado, um ciclista, com o qual batemos um papo e que nos disse que iríamos chegar bem à tardinha e um senhor a pé, bem no alto da montanha, que nos assegurou que daí para a frente eram cinco quilômetros de descidas. Além de um fazendeiro citado mais adiante. Algumas passagens, entretanto, são divertidas, como os quatro (quatro mesmo!) córregos os quais tivemos que atravessar neste dia, por dentro da água: 

Uh! uuuuuuuuuuuuuh! 
A placa de boas vindas na entrada do Faxinal do Beppe está desta forma: 
Resumidamente, a história do lugar pode ser contada assim: Um italiano, de nome Beppe Molinari, instalou-se com sua família neste local e mantinha-se com a produção agrícola e pecuária. Instalou uma pousada rural para o atendimento de viajantes. Posteriormente, o governo resolveu criar nessa região um parque nacional e desalojou as famílias que ali viviam, transferindo-as para outro lugar. Quem quiser saber mais, basta procurar na Internet, há muita informação.

Tudo agora é uma triste imagem de abandono. Há um trecho em que um riacho invade a estrada e a percorre por uns 30 metros: 

Se tiverem a curiosidade de olhar na Internet, verão como era a propriedade no seu auge. Hoje está assim:
Propriedade abandonada no Faxinal do Beppe

Barracão abandonado no Faxinal do Beppe
Passagem pelo Faxinal do Beppe, no Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC)
A partir daí começa nosso calvário. O barro formado pela chuva que insistia em não parar, o piso extremamente escorregadio e a topografia montanhosa, dificultavam muito o avanço na velocidade que pretendíamos. 
Muitas vezes, mesmo em descidas, tínhamos que ir desmontados, segurando a bicicleta e pisando com muito cuidado para não cair. O barro aderia aos pneus, aos garfos, às correntes, à suspensão, às coroas e aos tênis, formando grossas camadas, que impediam a rodagem, sendo necessária a limpeza constante, para ir avançando, mesmo que aos poucos. Às vezes, ao tentarmos um passo, o pé até saía do tênis, que ficava grudado no barro. A bicicleta ficava muito mais pesada e difícil de conduzir. Como consequência, fomos nos atrasando.

Numa parada, enquanto consultava o caminho no telefone, a bicicleta, que estava encostada em minha perna, tombou, atingindo, com a extremidade do guidão, os dedos do pé da minha companheira. Só percebi o que aconteceu depois do grito de dor que sibilou no ar. A situação já era complicada o bastante e como eu poderia ter deixado acontecer isto?

Passados os instantes iniciais de sofrimento, a dor foi passando e ela se disse pronta para prosseguimos. Quando passamos por uma fazenda, cujo proprietário ainda não havia abandonado o local, ainda faltavam uns 30 quilômetros e o tempo já dava sinais de estar escurecendo. O barro, intenso e pegajoso, ficou pior neste trecho, por causa do pisoteio do gado e excrementos lançados no caminho. Seguíamos, entretanto, fazendo os cálculos da hora que poderíamos chegar...

A partir deste momento não há mais fotos, porque escureceu de vez. Instalamos o farolete que nos foi cedido gentilmente pelo Jessie e a luz se acendeu, maravilhosa, iluminando o caminho.

Mas as dificuldades não diminuíram e os avanços continuavam muito lentos e pouco nos aproximavam da chegada.

Não demorou muito e o farolete apagou. A bateria acabou. Não sei precisar o tempo que transcorreu mas, de repente, tudo ficou escuro. Como breu. Não se via uma luz, para qualquer lado que olhássemos. Pensei: e agora?

- Temos a lanterna, disse, sem nenhuma variação na voz, nada que pudesse denotar medo ou insegurança, a Eros. E procurava nos seus pertences.

Uma pequena lanterna, que desta vez nos lembramos de levar, poderia ser a salvação. Liguei-a e, naquela escuridão, o facho que ela emitia permitia enxergar o caminho, de forma que pudéssemos continuar. Mas, ainda sem pedalar.

Caminhávamos assim, procurando o melhor jeito de iluminar para os dois, pois o facho era estreito e se eu iluminava para ela, não via para onde eu estava indo e se iluminasse para mim, ela é que não enxergava. Direcionava o facho para a frente, de instantes em instantes, para ver se estávamos seguindo a estrada. Havia despenhadeiros à beira do caminho e todo cuidado era pouco. Aos poucos, fomos percebendo o jeito em que a luz era melhor aproveitada por nós dois e fomos indo paulatinamente. Chegou a passar pela minha cabeça, com horror que, se as pilhas da lanterna descarregassem, teríamos que passar a noite ali, no meio do nada, sob chuva e sem abrigo...

Nossa ousadia, entretanto, não ficaria impune. Num instante, quando eu me encontrava ligeiramente à frente dela, Eros escorregou e caiu no barro. Sem entender bem o que aconteceu, fiquei tentando ajudá-la a se levantar, quando ela me disse para ir com calma, porque havia torcido o pé.

Naquele momento a única expressão que meio à cabeça, foi:

- Meu Deus!

Esperei que ela se ajeitasse e me indicasse o que fazer para ajudá-la. Aos poucos foi-se levantando e se eu pudesse ver sua expressão, tenho certeza que, naquela situação, além da dor eu veria muita determinação. Pois ela se levantou e disse:

- Vamos continuar.

- E seu pé? Perguntei.

- Dá para continuar. Depois a gente vê.

Continuamos assim, com nossa parca iluminação, por uns 20 quilômetros. Já era cerca de 11 h da noite quando avistamos o que poderia ser uma luz, a uma certa distância adiante. Ao mesmo tempo, ouvimos barulho de motor de um veículo, o qual foi se intensificando e percebemos que vinha em nossa direção, no mesmo sentido em que estávamos seguindo.
Ficamos parados, à beira da estrada, iluminando-nos com a lanterna, para que fôssemos vistos, mas, era uma camionete, que passou por nós e seguiu adiante, ignorando-nos completamente.

Sem dizer palavra, seguimos em direção àquela luz, que parecia estar à beira da estrada. Mas o pensamento fervilhava, em razão do socorro que poderíamos ter tido e que, infelizmente, talvez por medo, passou reto. Ao nos aproximarmos, verificamos tratar-se de um poste isolado, marcando uma entrada de propriedade que não conseguíamos vislumbrar. O jeito foi seguir em frente.

Aos poucos, foram surgindo outras luzes e até casas, mas que, sem indício de movimento, não ousávamos perturbar àquela hora da noite.

Por volta de meia noite, chegamos ao que parecia ser um povoado, com várias casas espalhadas, iluminação flácida e até uma igreja. Nenhum sinal de vida. Pensávamos: será aqui Apiúna? Mas a estrada seguia e nosso marcador indicava ainda estarem faltando 7,9 km. Eros resolveu testar se conseguiria pedalar. E, surpresa! Conseguiu!

Assim, demos continuidade, sempre com ela se preocupando com as margens da estrada, pois às vezes ouvíamos som de rio bem próximo. Vimos, então, uma casa com a numeração 3783. Imaginamos que faltariam menos de 4 km para a cidade. Continuamos por um tempo que pareceu-nos uma eternidade e nada...

De repente, dois cachorros desceram uma rampa que dava acesso a uma casa, latindo furiosamente e correndo em nossa direção. Fiquei com medo. Preocupado, tentava ver onde estavam os cachorros, segurando a lanterna em uma das mãos e o guidão da bicicleta na outra. Ah, aconteceu o que faltava: caí, estatelado no barro. Adoro cachorros, mas este aí, se eu pudesse pegá-lo, tê-lo-ia esfolado vivo! Quando ele viu que eu caí, manteve sua desabalada carreira em frente, desaparecendo na escuridão.

Só me restou levantar, xingar mentalmente, chutar seu traseiro com toda a força, fazendo-o voar em direção à lua, para que nunca mais perturbe pacatos, extenuados e sujos transeuntes.

Sem nenhum machucado, exceto no orgulho, montei a bicicleta e seguimos. Parecia que chegaríamos em Gramado, mas não chegaríamos em Apiúna!

Mais um pequeno trecho e, não acreditei, asfalto! Liso, perfeito e sinalizado com faixas, asfalto! Estávamos chegando!

A alegria durou pouco, porém. Logo o asfalto acabou e voltamos à estrada de terra batida, cheia de poças de água suja e pedras. Ô, tristeza! Já surgiam muitas casas, iluminação, mas nenhuma indicação de Apiúna. Havia um rio ao lado da estrada e uma ponte que levava ao outro lado, onde também havia uma fileira de casas. Será que é do lado de lá?

Finalmente, perto de 1 h da manhã, chegamos mansamente aos paralelepípedos da entrada de Apiúna. Agora sim, uma cidade, com lojas, ruas, luzes. Nenhum sinal de vida, porém, a não ser, a uma certa distância, o que parecia ser uma rodovia, com movimento de veículos. Ligamos para o hotel, que nos ensinou o caminho. De passagem, avistamos uma lanchonete ainda aberta e paramos. Era exatamente 1 h. Pedimos licença para entrar, pois a sujeira era tanta que, se nos proibissem a entrada, entenderíamos perfeitamente. Comemos com apetite uns salgados e tomamos água restauradora. Apontaram-nos a direção do hotel, que ficava uns 500 m adiante, junto a um restaurante. Quando vimos “hotel”, entramos, registramo-nos, banhamo-nos e fomos dormir rapidamente. Eram 2 horas da manhã. Só no dia seguinte percebemos que havíamos entrado num hotel errado, não naquele que havíamos efetuado a reserva...

Mas isto é assunto para o próximo dia...


Quilometragem percorrida: 76,29 km.

4 comentários:

  1. Meuuu Deussss... faltou o ar aqui!!!! Que perrengues!
    Como admiro vocês dois... muito guerreiros e resilientes! Parabéns!

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  2. Pois é, Claudia e Ecedir: todos nós somos capazes de muito mais do que imaginamos poder...

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