sábado, 26 de março de 2011

6º dia (Caminho da Fé): de Serra dos Limas a Borda da Mata

A saída da casa da Dona Natalina já começa com uma subida. Mas a estrada é boa e é prazeroso pedalar. A gente vai seguindo as setas amarelas, através de cafezais, percorrendo estradas vicinais de terra batida, firmes e lisas. O café é plantado por todos os lados, mesmo nas encostas das montanhas e eu fico me perguntando como é que eles fazem para colher o produto naquelas ribanceiras. Devem ter algum método bem prático, que eu desconheço, para evitar que os grãos rolem ladeira abaixo...
Pouco tempo depois, chegamos a um declive fantástico, antes do povoado de Barra. A estrada tem muitas pedras soltas e nós descemos sempre devagar, porque não temos coragem de soltar a magrela descida abaixo. Às vezes temos até que dar uma paradinha, no meio do trecho, para descansar as mãos, doloridas de tanto acionar os freios. O pessoal, muito simpático, da Pousada São João, onde vamos aportar ao completar a descida, certa vez nos disse que um bombeiro ciclista já havia feito aquele percurso em apenas três minutos! É muita coragem para o meu gosto! Uma queda ali certamente vai provocar muitas escoriações, prá não dizer ossos quebrados...


Foto 01: entrada da Pousada São João
  Na São João (foto 01) sempre nos tratam muito bem, como, aliás, é praxe, neste Caminho. Certa vez, em uma das passagens por lá, logo de manhã, não havíamos tido frutas no café. Uma penca de bananas-prata enfeitava a fruteira sobre a mesa. “Morri” de vergonha quando minha esposa pediu: “Posso pegar uma banana?” Com toda a gentileza do pessoal, acabamos saindo de lá com duas bananas cada um (verdadeiras, e não aquelas que se mostra dobrando o cotovelo e colocando o punho fechado do outro braço sobre ele). Sempre ouço referências elogiosas à estadia nesta Pousada. Nunca ficamos lá, mas todo mundo fala bem...

Foto 02
Logo depois da saída de Barra, há uma bica generosa de água, despencando de uma altura de mais de três metros (fotos 02 e 03). Em época de calor, é uma dádiva dos céus.  Há um caminho de pedras para atravessar o córrego  e uma pequena caixa d’água com torneira, para abastecer as caramanholas. Os barrancos, no local, são recobertos por marias-sem-vergonha, colorindo a vegetação e embelezando o lugar. É inevitável fotografar para rever sempre o bonito lugar.
Foto 03
 Depois de toda aquela descida, agora temos que subir, claro. Mas o trecho de 15 quilômetros até Crisólia é relativamente tranqüilo. Tanto é que não demoramos muito para chegar. Neste ponto já é hora de almoço e uma parada no Bar da Zéti (foto 04) é fundamental. Comida simples, mas muito saborosa e a atenção da Zéti também é algo prá não se esquecer. Sempre de bom humor, atende a todos com imensa alegria e satisfação. A gente sai dali alimentado de corpo e espírito.

Foto 04: com a sempre alegre Zétti
 A próxima cidade é Ouro Fino, imortalizada na clássica música sertaneja. Os sete quilômetros que a separam de Crisólia são percorridos com muita facilidade, não há subidas acentuadas. E a cidade se promove, instalando na entrada um portal alusivo ao tema (foto 06). As fotos do local estão certamente nos álbuns de todos aqueles que peregrinam por lá.
Descendo para a cidade, ao começar a subida, do outro lado, há um mercadinho, à esquerda, onde você encontra muita simpatia e acolhimento pelos proprietários. Eles possuem uma pequena gruta, nos fundos (foto 05), onde, quem desejar, pode fazer sua oração. Sentimos muita vibração positiva naquele lugar. Quando passamos lá, pela última vez, havia uma placa do Caminho da Fé na frente do estabelecimento. Mas, ao olhar hoje a lista de pousadas e locais para carimbar a credencial, não vi referência ao local. Não sei dizer se ainda é como falei...

Foto 05: A gruta em Ouro Fino

Nunca tivemos oportunidade de dormir em Ouro Fino, por isso não posso opinar sobre os diversos pontos de parada existentes.

Foto 06 - O menino da porteira

Depois de Ouro Fino, Inconfidentes. O trecho, de 10 km, também não apresenta maiores dificuldades. Logo na entrada da cidade, a parada obrigatória no bar do Maurão (foto 07). Mais uma pessoa finíssima no atendimento ao peregrino e onde a gente pode saber qualquer novidade sobre o Caminho. O Maurão está sempre disposto a ajudar. Ele faz o Caminho uma vez por ano, salvo falha da memória, há 17 ou 18 anos. Ou 19. Se me enganei, desculpe aí, tá, Maurão!
Certa vez, querendo tomar um copo de vinho, perguntei a ele: “Você tem vinho aberto aí”? E ele me respondeu: “Não! Se deixar aberto entra mosca”!
Tóim! Quem mandou não fazer a pergunta corretamente?

Foto 07: Com o Maurão, em Inconfidentes
Em Inconfidentes, já pernoitamos nas pousadas Caminho da Fé e na Águas Livres. A primeira é muito boa, mais nova e, embora não sirvam refeições, há um pequeno e simples restaurante bem ao lado, onde já jantamos ao menos em duas ocasiões diferentes. E a segunda (fotos 08 e 09), que fica seis quilômetros à frente do bar do Maurão, num local particularmente aprazível, um sítio muito gracioso com a casa principal cercada de primaveras, tudo cuidado com muito carinho pelo Oswaldo e esposa. Também é muito bom, com a vantagem de poder se alimentar no próprio local, inclusive com verduras da horta cultivada ali mesmo. Mas é bom ter o cuidado de reservar antes. Aliás, não só aqui, em todos os locais, é sempre bom telefonar antes para fazer as reservas, evitando possíveis surpresas. Que às vezes acontecem mesmo você tendo feito a reserva. Vejam a historinha a seguir.
Quando ficamos aqui a primeira vez, em julho de 2008, aconteceu um episódio engraçado. Fizemos a reserva, por telefone, falando com a filha do Oswaldo. Na época ela tinha um neném e em meio aos afazeres de mãe, esqueceu-se de anotar ou comunicar os pais. Naquela oportunidade também fazia o caminho uma família de Cotia (O Júnior, a esposa, a sogra e dois filhos menores), que havíamos conhecido em São Roque. Vínhamos fazendo o caminho mais ou menos juntos, passávamos a noite nos mesmos lugares, os quais indicávamos para eles, por ser a primeira vez deles. Saíamos mais cedo e eles sempre acabavam nos alcançando e passando. Um deles dirigia uma caminhonete de apoio e outros dois pedalavam. Pois bem. Quando chegamos à entrada da Pousada Águas Livres, que fica um pouquinho afastada da estrada, encontramos o filho mais velho do Júnior, dizendo que a entrada da pousada estava fechada. “Como assim, nós fizemos a reserva”, dissemos. 
Mas estava fechada mesmo, o portão tinha corrente, cadeado e tudo. E agora? O Júnior estava tentando contato com o Oswaldo, mas não estava conseguindo. Telefones celulares não pegavam. Para piorar as coisas, a esposa dele, que estava dirigindo o carro de apoio, não encontrava o lugar. Com muito custo, um dos celulares entrou em serviço e conseguiu-se contato com a casa do Oswaldo, mas nem ele, nem a esposa, estavam. Uma sobrinha dele se prontificou a ajudar e disse que iria para o local para abrir o portão, até chegar o Oswaldo. Enquanto isso, o Júnior tentava orientar a esposa a achar o lugar. Passado algum tempo, chegou a sobrinha do Oswaldo, mas ao tentar abrir o portão, as chaves não funcionavam. Não houve quem conseguisse abrir o cadeado. Ela mesma sugeriu: “Vamos pular o portão, aí eu abro a casa, vocês entram e podem descansar ou ir tomando banho até meu tio chegar”.  Sem alternativa, cansados da pedalada do dia, foi o que fizemos. Passamos as bicicletas por cima do portão, saltamos e entramos, pois a casa ela conseguiu abrir. Não demorou muito, chegaram o Oswaldo e a esposa e pudemos nos acomodar nos quartos, enquanto eles preparavam o jantar. Esclareceram que não sabiam que íamos chegar e depois das explicações, vimos que tudo aconteceu porque a filha deles se esquecera de avisá-los.

Foto 10 - Com Oswaldo, esposa e um grupo de peregrinos, entre Inconfidentes e Borda da Mata
Já havia escurecido e a esposa do Junior estava em Borda da Mata, havia passado pelo local e não havia visto a entrada da pousada. Já eram cerca de oito horas da noite, quando ela conseguiu reencontrar sua família.
Afinal, o jantar foi muito bom e pudemos dormir numa boa, repondo energias para a jornada do dia seguinte.

A próxima cidade é Borda da Mata, a 15 km da Pousada Águas Livres. Neste trecho (fotos 10 e 11) ainda não se enfrentam as piores subidas, que virão antes de Estiva, de Paraisópolis mas, sobretudo, depois de Luminosa. Com tranqüilidade, ao final da tarde, chegamos ao Hotel Village, onde costumamos pernoitar quando dormimos aqui. Nunca saímos para comer, a gente acaba sempre pedindo uma pizza por telefone, comemos no próprio quarto e vamos dormir. É bom dormir cedo, porque o caminho é árduo e trechos mais duros nos esperam pela frente...

4 comentários: